profundas incompreensões

pareço desaparecer
na tentativa de existir
nesta intersecção
           entre
o ser e o não ser
estar cúmplice de mim
refém do meu eu
           aqui
e para me encontrar
foi preciso me perder
no mistério íntimo
do meu sentir

profundas incompreensões

quero ser a autora da minha própria história

às vezes
tenho medo de ser
tão vazia
e não ter coisa alguma
a oferecer
para mim
e para o mundo
engolindo tudo
com apenas nada
como se eu fosse
uma folha de papel
em branco
nunca usada
inerte, intacta
e então eu me permito
recomeços e rasuras
porque quero sempre
escrever alguma linha
ainda que seja uma única frase
sem sentido
com palavras jogadas
perdidas em tanto eu
em tanto ser
pintando o destino
criando o meu delírio
sujando os dedos de tinta
manchando o meu existir
com a mais pura e simples
arte
de viver
que não se apaga
na coragem de ser
quem eu sou

– quero ser a autora da minha própria história

quero ser a autora da minha própria história

despertar

a vida ​começa toda manhã

a cada abrir e fechar dos olhos
a cada batida do coração pulsando firme
abrindo e fechando
selvagemente
​vou ​renascendo a conta-gotas
emergindo
das minhas águas mais profundas e mais escuras

​quando sou nuvem sombria de tempestade
​arrasto tudo em ressaca
vagarosamente
vou pingando lágrima por lágrima
dissipando
como se nunca antes tivesse chovido

o que sobra desse mar de mim
surge longe do lar, do amor ou da fé
é o que vem quando
o escuro clareia
o molhado seca
o fogo apaga
e eu respiro inteira aqui

a vida começa em todo fim

.​

despertar

nenhuma palavra minha chegará até você (não mais)

estou fechada sozinha comigo mesma dentro da minha própria solidão e o seu olhar, ainda que vazio, é tão pesado que eu não consigo mais suportar. ele me atravessa passivo-agressivo e é muito maior do que a força que tenho em mim – que força é essa? não é fé. mas talvez seja amor. ou medo. nada é mais poderoso que a minha solitude, esse estar sozinha, vazia, oca dentro de mim.

eu não me basto
eu não me alcanço

tantas​ vezes eu senti a sua mão murcha segurando a minha;
senti seu abraço frouxo que já não sustentava o meu corpo junto ao seu;
senti meu coração desacelerando, lento, lento, pulsando vigoroso essas batidas espaçadas, únicas, singulares, uma grande massa carnuda, um único músculo que eu sinto muito maior que todo o resto, arrebentando minhas costelas, dominando o meu corpo, minha respiração cansada, fraca, meus pulmões expulsam esse fio de ar fino, só porque é preciso fazê-lo;

as palavras vão escapando dos meus pensamentos e sumindo da minha boca, eu vou me desligando de mim – essa conexão já não existe há muito tempo –  pisco os olhos pesados, secos, arenosos, sei também que já não brilham mais, é preciso fechá-los, minha visão está confusa e embaralhada, mesmo sabendo que nenhum descanso é pleno e essa luta é praticamente inútil.

eu contra mim mesma
não há vencedores
a única ferida sou eu
a única que sangrará amor até esgotar, até secar e escurecer, marca grudada, mancha difícil de limpar
a única vítima
a única tirana
eu contra mim mesma
e eu perdi

até que não sobre nada mais
nada mais para ser dito a você
o fim mais triste é esse que se cala
mesmo quando ainda é preciso dizer

eu sempre estive aqui
esperando por você
porque eu nunca cheguei até mim

.

nenhuma palavra minha chegará até você (não mais)